domingo, 27 de março de 2016

ESTUDAR OS FUNDAMENTOS


 Frater Lucas Madsen

Essa pode ser a melhor resposta para toda estagnação. Se um conhecimento não está fazendo sentido, se uma técnica não está trazendo os resultados esperados, se uma ideia perdeu sua aplicabilidade... Não será isso uma grande falta de estudo dos fundamentos?

Na minha cabeça, o fundamento é que estabelece a base e que, ao mesmo tempo, justifica todo o sistema que embasa. Em um esporte, estudar os fundamentos significa entender os passos mais básicos que são permitidos pela regra, compreender os movimentos mais simples, entender a mecânica. Em uma disciplina, significaria entender os pressupostos teóricos, os objetivos, os mecanismos pelos quais se atua para atingir o conhecimento.

Muitas vezes, os fundamentos não são muito entusiasmantes para quem os estuda ou treina. Parecem coisa de iniciante, técnicas que nunca poderão ser utilizadas na realidade. Frequentemente, quando os estudamos, somos incapazes de perceber como o mestre faz para utilizá-los. No xadrez, aprendemos que é preciso primeiro assegurar controle sobre o meio do tabuleiro e abrir espaço para desenvolver todas as peças. Mas quando vemos um profissional jogando, ele pode escolher começar sua abertura pelos cantos, mantér peças presas até o meio do jogo.. E assim, parece cuspir em tudo que o iniciante está aprendendo.

Mas, talvez, a maestria consista justamente em ser capaz de compreender o fundamento o suficiente para ser capaz de aplicá-lo de maneiras não óbvias.

Como observadores, às vezes sentimos a ânsia de repetir os movimentos complexos dos mestres. O faixa branca quer ter a agilidade dos punhos de seu mestre, manejar as armas com sua desenvoltura... O jogador mediano quer executar os dribles mais bonitos, fazer jogadas criativas, aproveitar do razoável talento que desenvolveu.

Talvez o que diferencie o mediano do amador seja a capacidade de imitar alguns dos movimentos do mestre. Enquanto o amador pena para manter o equilíbrio em um paço simples, talvez o mediano seja aquele que foi capaz de dominar minimamente a base, a ponto de executar alguns movimentos mais difíceis. É aquele que entendeu a disciplina, e por isso é capaz de desvendar seus códigos e escrever algumas frases que os utilizam.

O que incomoda o mediano, no entanto, é que ele é incapaz de ir além desse ponto. Por mais que se esforce, não consegue superar o próprio limite a que parece ter chegado.

Se todo conhecimento é espiral, ou seja, se é um constante retorno circular que, no entanto, avança a cada volta, então a solução de saída para o mediano é estudar de novo a base. Quando estudou da primeira vez, terá entendido o simples. Quando avança para o mais complexo, consegue compreender para que aquela base serviu. Estudar a base de novo o fará ver tudo com novos olhos, olhos de quem sabe para que serve, como se aplica.

Por que falar disso em um blog sobre espiritualidade? Porque agora entendo que talvez a frase de um monge budista de vários anos atrás tenha finalmente entrado em mim. Dizia ele – de uma forma que talvez beire a arrogância ou a confiança absoluta em seu método de iluminação – que todas as religiões possuem em si o cerne da verdade, mas que o budismo é aquela que oferece o caminho mais rápido para o entendimento dela. Assim, enquanto tantas outras dam voltas até chegar ao centro, os budistas caminham em linha reta.

Não sou conhecedor da verdade e nem um iluminado, de tal forma que não posso fazer testemunho do que diz o monge. Mas o que sei dizer com certeza é que, muitas vezes, textos sobre espiritualidade nos empurram daqui para lá e de lá para cá, desenvolvem várias faculdades, nos ensinam coisas interessantes, mas falham em nos mostrar o fundamento. Resultado: ao final estaremos no ponto de início, fazendo as perguntas mais basilares: por que? Para que? Para quem?

Se arriscar mais um parágrafo, finalmente direi: não será essa a base da violência e intolerância religiosa inútil? A atenção excessiva aos detalhes? A compreensão equivocada de uma arte sublime, ainda não dominada por um leitor indisciplinado? Cada situação exige uma postura diferente de uma pessoa, mas o tolo tende a buscar regras gerais onde há apenas adaptação a uma situação específica. O segredo do mestre é a chave que abre a porta para a criatividade.

www.santuario1.blogspot.com.br/


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