segunda-feira, 31 de dezembro de 2012

SIM, SOU ROSACRUZ, MAS NÃO PRATICANTE


Por Frater Mário Sales
Quando eu era mais jovem,lá pelos idos dos anos 60 do século passado, havia uma frase que eu ouvia constantemente no ambiente católico.
A frase era "sou católico, mas não praticante."
Na minha ingenuidade filosófica da infância a frase fazia todo o sentido. Eu a entendia como alguém que acreditava em Deus, mas que raramente ia aos cultos da Igreja, que não tinha o hábito de tomar a comunhão aos domingos, e que até usava uma expressão depreciativa quanto àqueles que eram, digamos, mais assíduos e dedicados aos aspectos formais de sua crença, cognominando-os de "papa-hóstia".
Eram católicos que achavam suficiente dizerem-se católicos, e com isso teriam cumprido com suas obrigações de escolher uma cor e uma bandeira em uma época em que as pessoas precisavam deixar claras as suas opções tanto políticas como religiosas.
Era uma época intelectualmente mais primária, onde as pessoas achavam que eram o que eram, onde não havia nuances de cores entre o vermelho e o púrpura, tudo era preto ou branco.
Ser católico era, por assim dizer, como torcer pelo clube de futebol, aonde nunca se pisou, do qual não se é sócio, aos jogos do qual não se vai, mas pelo qual se discute e se briga de acordo com o resultado.
Esta situação ainda perdura nos dias de hoje.
Existem pessoas que se dizem algo apenas para parecer ser este algo que se dizem ser. Na verdade não dedicaram sua vida, seu espírito, seu tempo, o bem mais precioso de nossas vidas, o mais fugidio, a se envolver com os aspectos íntimos desta opção filosófica ou religiosa, ou por falta de paixão, ou por falta de convicção, mas com certeza por falta de coragem não admitem que sua ligação com este grupo a que dizem pertencer é falsa, ou extremamente instável, podendo se desfazer a qualquer momento, bastando para isso um simples empurrão.
Minha querida amiga Diva Ogeda tinha uma frase de impacto com a qual classificava a filiação rosacruz e principalmente a vida do místico. Dizia ela, com aquela veemência que lhe era característica, que "misticismo era pra se tomar na veia".
Penso da mesma forma.
Toda minha vida tenho me dedicado a compreender sinceramente a prática rosacruciana, a estudar as milhares de facetas do conhecimento místico rosacruz, e embora algumas pessoas me achem um erudito, sei por auto crítica sincera, que muita coisa ainda não domino, e muito falta para que eu possa dizer-me um conhecedor profundo do Universo de informações que AMORC me transmitiu ao longo destes 37 anos de filiação. 
 
 
 
É a exata consciência de minhas deficiências culturais místicas, que não são apenas intelectuais, mas práticas, que me faz mais e mais querer aprender e estudar os textos aos quais fui exposto todo este tempo.
Em nenhum momento, no entanto quis outra vida que não fosse essa. Tenho uma enorme paixão pelo rosacrucianismo e se cometer algum erro em relação à esta tradição que tanto prezo será por excesso e não por falta.
O trabalho rosacruz é solitário, é de compreensão pessoal, individual. É necessário ler muito, sim, mas é preciso também meditar sobre o que se leu, deixar que os conhecimentos decantem em nosso espírito, que nossa memória seja reavivada acerca de coisas que já sabemos, mas que fomos forçados pela educação religiosa e laica, à esquecer ou a negar.
Praticar rosacrucianismo é relembrar.
É acordar pouco a pouco de uma ilusão, forte, densa, como um sonho intenso que nos acompanha por alguns minutos depois que já abrimos os olhos.
Por tudo isso, e pelo privilégio de ter conhecido rosacruzes tão apaixonados e muito mais capazes do que eu, como Diva Ogeda e Reginaldo Leite, ou mesmo a minha iniciadora, hoje aos 80 anos, Abadia Caparelli, uma sóror provavelmente anônima para muitos, como outras tantas, mas respeitada até por Maria Moura, é que me entristece tanto ver, entre meus frateres e sorores, a perplexidade diante de exposições as mais banais, como se estivessem tendo contato com estas noções rosacrucianas fundamentais pela primeira vez, (que é não uma impressão mas realmente o que ocorre), noções e conceitos que já deveriam estar cansados de estudar.
Parte do meu trabalho pela minha Ordem é dar palestras que acabam em debates e conversas muito mais enriquecedoras que as palestras em si.
E qual não é a minha estranheza em ver perguntas ou colocações que contrastam com a idéia rosacruz de mundo.
Como modelo, apenas para retirar o caráter abstrato deste raciocínio, vejamos a questão da morte e do morrer.
Os rosacruzes não são obrigados a crer em qualquer coisa que a Ordem lhes diga, pelo contrário, o esforço da Rosacruz é no intuito de criar livres pensadores, pessoas capazes de interpretar a si mesmo e a criação a partir de valores e crenças absolutamente pessoais e construídas durante anos de reflexão e meditação.
Se a Ordem tem uma hierarquia administrativa, por necessidades absolutamente organizacionais, no plano místico ela é profundamente anárquica, de forma que todas as mentes colaboram, em igual nível de esforço, embora não no mesmo nível de profundidade, para a consecução de um acervo cultural comum.
A Rosacruz é o que são os rosacruzes.
E é consenso entre a maioria de nós, que a vida é eterna, que somos seres espirituais, emanados de Deus, portanto feitos da sua própria natureza divina e portanto, eternos; que nossa experiência na carne é temporária, que nossos corpos sofrerão uma decomposição natural com o tempo, e que ao terminar o tempo deste corpo, fluiremos para outra experiência em outro corpo, em outra identidade aparente.
Mesmo assim, vejo tristeza nas funções fúnebres rosacrucianas, que deveriam ser a comemoração pela Grande Iniciação. É como se fossemos católicos enterrando seus mortos, chorando por aqueles que realmente acreditamos que morreram, mesmo que nesta religião a mais impressionante mensagem de seu fundador, o Cristo, Jesus, tenha sido a da ressurreição e da Vida Eterna.
Rosacruzes não são seu corpo, sabem disso. Mesmo assim não se desfazem dele sem apego.
Vejo nos rostos de meus irmãos o mesmo materialismo e a mesma subserviência a valores não iniciáticos que em pessoas que não iniciadas.
Mesmo considerando que uma iniciação é apenas isto, o início de uma caminhada, e que existe necessidade de tempo para que a mente e suas convicções sejam transformadas, é estranho ver entre rosacruzes um comportamento tão pouco místico.
Um outro exemplo é o caso da saúde.
Todo místico sabe que o início de um estado de saúde é a serenidade interior. A vida biológica, para o místico rosacruz, é escrava da vida mental, dos pensamentos, das convicções e receios que uma pessoa possa ter em relação ao seu corpo. Todo um grau da Ordem, o sexto, é dedicado ao estudo da saúde e da aplicação de técnicas para melhorá-la e mantê-la bem. Espera-se que um iniciado, ciente disso, não tenha ansiedades a respeito de sua saúde, já que, em função de sua formação inciática saberá vencer seus receios físicos com seus conhecimentos esotéricos e com suas convicções espirituais, e sua confiança no poder será tamanha e tão intensa que nada poderá tirar-lha a felicidade de desfrutar a vida no corpo pelo tempo que o Altíssimo determinar. Mesmo assim, testemunho casos de irmãos, e não são poucos, dilacerados por problemas de saúde, às vêzes banais, outras vêzes nem tanto, e com uma qualidade de vida mental abaixo daquela que se esperaria para um rosacruz, digamos assim, praticante. Houve certa feita até um artigo em "O Rosacruz", já não me lembro em qual, em que um irmão perguntava, no título, "porque existem tantos rosacruzes doentes?".
Sempre comentamos na Ordem que nossa maior propaganda deve ser a nossa felicidade em pertencermos à Ordem e em desfrutarmos dos conhecimentos por ela proporcionados. Se no entanto, encontramos tantos irmãos tristes e doentes, e com medo da transição, há de se perguntar o que está ocorrendo.
A primeira conclusão, a mais óbvia, é que , embora sejam membros de AMORC, esses irmãos estão na mesma situação daqueles católicos que citei no início deste ensaio.
Se respondessem com sinceridade a pergunta : "Voce é um estudante rosacruz?", sua resposta deveria ser, "Sim, sou rosacruz, mas não sou praticante."
Isso significa que, embora frequentando corpos afiliados, o que em si não fala a favor de seu envolvimento com o conhecimento da Ordem, embora pagando em dia suas mensalidades, não podendo ser assim caracterizados como inativos, estes estudantes não tem empregado com frequência seus ensinamentos, ou mesmo talvez não tenham feito de maneira constante seus estudos. A regularidade do sanctum no lar está entre elas, mas não é a única. As monografias recebidas precisam ser lidas, e quanto a isto, temos tido, como Organização, não como Instituição, uma atitude tolerante em demasia.
Provavelmente, ao deixar as pessoas sem nenhum tipo de cobrança quanto ao desempenho de seus estudos, sem nenhuma contrapartida ao recebimento dessas monografias, como um teste de verificação de conhecimento que travasse o envio de monografias até que fosse enviado, ou a necessidade de trabalhos que demonstrassem a proficiência nos assuntos discutidos naquela monografia ou naquele grau como condição para ascender a graus mais altos, estamos cultivando uma legião de "rosacruzes não praticantes", frateres como um que testemunhei ao abrir um pacote de monografias dizer, com ar irônico:"-Deixa eu ver em que grau estou agora."
É preocupante.
Mudar este modus operandi implica em reformular todo o nosso departamento de instrução. Já li textos de irmãos que defendem a tese de que a Ordem não é um curso por correspondência. Não concordo. Tanto é que a base de nossos trabalhos é o recebimento pelo correio, e modernamente, em algumas jurisdições, pela internet, de textos sobre temas especialmente elaborados para serem objeto de estudo e reflexão. Isto caracteriza um "Curso de Ensino a Distância", como qualquer outro, mesmo que nossos temas e assuntos sejam de uma profundidade muitas vêzes maior. O estranho é que, considerando a dificuldade e a profundidade dos temas que discutimos em nossas monografias, não exista nenhum acompanhamento do grau de progresso ao menos intelectual nesses estudos, já que o progresso espiritual em si seria impraticável acompanhar.
Não quero ver mais a surpresa nos auditórios que frequento como palestrante e facilitador de debates no ambiente da Ordem. Meus Irmãos (Frateres) e minhas Irmãs (Sórores), precisam receber uma atenção maior, do ponto de vista administrativo, quanto ao progresso em seus estudos, para termos mais claro se aquilo que estamos enviando para suas casas tem sido realmente lido e estudado. Claro que vamos precisar de um departamento de instrução maior e talvez , mais computadores conectados de forma que, através do Skype, um programa gratuito, possa se tirar dúvidas com educadores rosacruzes em tempo real, na Grande Loja ou na Suprema Grande Loja, já que a Internet tornou a distância absolutamente desprezível.
Talvez com isso possamos evitar a disseminação de "rosacruzes, não praticantes" no seio de nossa, como costumamos dizer, Amada Ordem, pelo menos por causa deste mesmo amor à esta Instituição que sempre dizemos ter, lembrando que Amar não é apenas dizer-se que se ama, mas sim agir pelo bem do Ser Amado, seja ele uma pessoa ou uma Instituição.
Já tarda uma intervenção e uma mudança operacional no nosso modelo educacional.
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